quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Mangue Seco, Bahia, BR

   
"Vem meu amor
Vem com calor
No meu corpo se enroscar
Vem minha flor
Vem sem pudor..."

   Para quem viveu o início dos anos 90, o destino a ser divulgado nesse post d"O pé de Samantha" já é familiar: a terra de Tieta do Agreste, conhecido também como Mangue Seco... Cercado de dunas e coqueiros, esse pequeno vilarejo entre Bahia e Sergipe encantou os noveleiros globais com sua simplicidade e seus ares congelados no tempo ao servir de cenário da novela "Tieta".
   "Minha história com Mangue Seco ocorreu de modo inusitado e, logo que soube de sua existência e beleza, entrou como o próximo destino em meu roteiro. Uso a palavra "inusitado" pois não planejara mudar tanto os planos da viagem, e muito menos sabia que isso acarretaria em alterações muito maiores em minha trip de carona de Rio Grande, RS até Maceió, AL, onde, em alguns dias, ocorreria o Congresso Brasileiro de Ornitologia. 
     Os pés de Samantha não estão familiarizados com ônibus porém, acabaram entrando em um em uma madrugada na rodoviária de Salvador, BA, com destino à Praia do Forte. Nessa situação, acabei conhecendo um pernambucano que trabalhou por muito tempo no Projeto TAMAR - um projeto brasileiro de conservação de tartarugas marinhas que possui sede em diversos locais pelo Brasil -, e, após muito conversar durante a viagem e a estadia naquela praia, ele citou esse lugar de natureza indescritível e que, sim ou sim, eu deveria visitá-lo. Assim, seguindo seu conselho, me dirigi de carona para esse pequeno paraíso..."
    Porém, para quem quiser curtir o sossego deste destino, uma jornada terá de ser vencida. Mangue Seco está situada ao lado da Foz do Rio Leal, separando o vilarejo da povoado de Pontal, SE, que fica a 12km da SE-368 (a continuação da Linha Verde) por uma estrada secundária. De lá, a travessia é feita com ajuda de barqueiros, com valores variados de R$2,00 a R$15,00, dependendo da quantidade de pessoas que pretendem atravessar. Para quem quiser seguir viagem de carona, é possível conversar com os pescadores e trabalhadores que cruzam diariamente em direção a Mangue Seco em suas pequenas canoas motorizadas. O acesso pela Bahia não é recomendado, visto que a estrada é de difícil acesso e há trechos pela praia, o que pode prejudicar a desova das tartarugas na região.
        "Minha chegada em Mangue Seco foi uma aventura! Saí ao meio dia de Praia do Forte pedindo carona, as quais foram muito variadas, primeiro com cinco pessoas, um de cada canto do Brasil, unidos para festear pela Bahia, depois com uma família que morava em um povoado mais à frente e um caminhão que levava refrigerados à Aracaju. Porém, a noite chegou e, já conformada que não chegaria à Mangue Seco naquele dia, aceitei o convite de comer um bom prato de feijão com arroz já em terras sergipanas com os caminhoneiros. Enquanto comíamos aquele delicioso prato, falando sobre os diferentes sotaques do Brasil, um jovem casal chegou à nossa mesa e perguntou por informações sobre como chegar em Mangue Seco. Mais anjos em minha vida! Fizemos uma troca: eu guiava eles com meus mapas e eles me levavam de carro até Pontal. Lá, dividimos o preço de uma embarcação (cerca de 15 reais/pessoa) e, assim, enfim, cheguei em Mangue Seco!"
      A infraestrutura no local é limitada, com algumas poucas pousadas e nenhum hostel ou camping para os mochileiros. Porém, como o local é de difícil acesso, a tranquilidade por aqui ainda reina, possibilitando camping selvagem ao meio das dunas que circundam a cidade, sendo a última opção, a minha escolha. Para comer, há casas de locais que oferecem cafés da manhã completos por R$10,00 à beira do rio, porém os mercados para compra de provisões não são nada convidativos!
      Já na primeira caminhada pela cidade, o visitante se vê impactado pela distinta realidade do lugarejo engolido pela areia. O povoado é minúsculo, com construções de pau a pique antiguíssimas e simples, distribuídas através das pequenas ruelas pavimentadas à pura areia, o que dificulta até a caminhada dos moradores. Ao invés de cachorros de rua, a cidade é invadida por burros e jegues, que buscam sombra na praça em frente à Igreja matriz, que possui algumas árvores bordeando o rio. Ali, poderão ser encontradas pessoas sentadas em frente as suas casas, sorveterias e lojas de souvenires.
    Competindo pelo título de maior atração do local com a cidade, estão as dunas que cercam o vilarejo. A versão mais almejada entre os turistas é o passeio de bugue, que recorre os vales e dunas branquinhas, podendo ser feitas pausas para a prática de sandboard e fotografias (em uma base de R$ 60,00 a R$ 80,00/quatro pessoas). Para os mais alternativos, é possível recorrer os 30 km de dunas a pé, como se estivesse na própria novela global Tieta.
       Durante essas andanças, também é possível observar um pouco da fauna local, como exemplo os ninhos de tartarugas marinhas, demarcados para estudos do projeto TAMAR, já citado anteriormente, e, com sorte, avistar até um falcão peregrino, além de muitas aves costeiras.
     Andar pelas dunas até a praia é uma sensação incrível, vendo a paisagem inóspita ser quebrada somente pelos coqueiros acerca da praia. E não há sensação mais prazerosa que chegar até a praia! O frescor que só um mergulho no mar proporciona é indescritível!
    Ademais, há diversos quiosques na beira da praia, na parte mais próxima a foz do rio, os quais nos brindam com diversos serviços a preço acessíveis como, por exemplo, 2 deliciosos espetinhos de queijo coalho a R$ 5,00 e água de coco a R$ 3,00. Ainda, a maioria dos quiosques possuem redes cobertas por telhados de palha, uma ótima saída para se refrescar e descansar da longa caminhada pelas dunas escaldantes. E para garantir o sossego, não há som nos
                                                                                   estabelecimentos.



  No fim de tarde, a melhor vista localiza-se nas dunas próximas à cidade, seguindo pela rua acima da igreja. De lá, a imensa bola de fogo esconde-se atrás dos coqueirais do outro lado do Rio Leal, criando uma atmosfera símbolo do nordeste selvagem do Brasil, que preenche o coração de seu público com muita energia positiva!





 "Voltando ao povoado, encontrei dois pescadores muito simpáticos que depois de muita prosa disseram estar atravessando a Pontal naquela mesma noite. Assim, junto com eles, entrei em uma pequena canoa de madeira com 11 pessoas e muita lavagem de porco! Como se não fora o bastante, ainda havia um homem bêbado, de pé, que tentava se equilibrar na ondulante embarcação, enquanto os olhos apreensivos de todos seguiam seus balanços até que o barco, enfim, atracou na outra margem! Chegando a Pontal, recebi o convite das mulheres da embarcação para ficar na cidade até a manhã do dia seguinte, mas na mesma hora, consegui uma carona até Santa Luzia do Intanhi, de onde eu segui viagem..."

DICAS ÚTEIS:
  • Compre água em alguma cidade e leve. Os preços nos armazéns são altos devido à dificuldade de acesso no povoado;
  • Não esqueça o protetor solar, chapéu e óculos-de-sol, o reflexo da areia que toma conta da paisagem prejudica muito a visão e a pele;
  • Não há bancos, nem caixas na cidade, leve o dinheiro necessário.



domingo, 1 de dezembro de 2013

Quebrada de los Cuervos, Treinta y Tres, UY

   Ahh, o Uruguay! Existe terra mais tranquila e com maior simplicidade que essa? Cada vez que eu passo pela fronteira e sorvo o primeiro mate uruguaio, todas as preocupações e agitações que permeiam minha vida se desvanecem...
  Para aumentar ainda mais essa inebriação de espirito, somente indo a um lugar específico deste pequeno país: Quebrada de los Cuervos! Essa pioneira APN (Área Protegida Nacional) nos deleita com um oásis ao meio do interminável amarelento pampa nas Sierras del Yerbal. Quebrada de los Cuervos, como o nome diz, é um acidente geográfico em forma de garganta, oriundo da corrosão ocasionada pelo arroio Yerbal Chico, que serpenteia esses relevos agrestes a milhares de anos em seu trajeto até o Rio Olimar.
 Devido à quebra drástica da geografia local, há a formação de um microclima subtropical nas regiões do interior desse entalhe, abrigando assim animais e vegetais que não são encontrados fora dessa formação.
  Ali são encontradas cerca de 100 espécies de aves- entre elas os ameaçados caboclinhos de chapéu cinzento e de papo escuro, alma-de-gato, arredio do gravatá, pica-pau-branco e o urubu de cabeça vermelha, preta e amarela, os quais dão nome à quebrada-, 20 mamíferos - como o tamanduá e a lebre de Almada-, 18 anfíbios e 20 espécies de peixes. Ademais da fauna, 70% das espécies vegetais autóctonas do Uruguay encontram-se aí, entre elas, a planta mais cobiçada do Uruguay e Rio Grande do Sul: a erva-mate!
    Como de praxe, o pé de Samantha sempre recorre os lugares sem obter muita informação antes, devido a lacuna de conhecimento da internet ou pela falta de ânimo de perder o tempo que poderia estar viajando, buscando dados sobre o local de modo cibernético. Assim, após diversas caronas, proseando e cevando mates amargos com caminhoneiros, cheguei a entrada da estrada poeirenta de terra que leva à Quebrada. Essa estrada situa-se a 22 km de Treinta y Tres pela ruta 8 e, chegando aí, encontra-se algumas casas simples, nas quais fui buscar água quente para o mate que tomaria enquanto caminhasse até a sede do parque. Falando com moradores, que me receberam de modo muito simpático, estes ficaram atônitos quando disse que pretendia caminhar até o parque, porém, não dei muita bola e disse que estava acostumada a tais caminhadas longas. Assim, segui meu destino. 
     Na beira da Ruta 8, na entrada para a estrada, também há um pequeno armazém chamado "El Convoy", no qual se distribui panfletos informativos sobre o caminho a ser tomado até a APN. Depois de comprar pães e vegetais para passar alguns dias, olhei o mapa e, para minha surpresa, a longa caminhada era mais longa do que eu imaginara. Após os 22 km desde a cidade, ainda é necessário percorrer mais 23 km pela estrada secundária até o prédio sede. Porém, devido a aura obtida pela entrada no país da tranquilidade, segui caminhando pela estrada com o seguinte pensamento "aproveitarei a noite inteira de caminhada para me deleitar com o céu de brigadeiro que só o interior inóspito proporciona". E assim fui...
    O caminho é lindo e nos faz acostumar com a paisagem seca e homogênea do pampa, como que se fora um passo para aumentar o deslumbramento com o parque à porvir. Mas, as horas passam, a caminhada cada vez pesa mais e a meta parece nunca se aproximar. Foi então, por volta da meia noite, que uma camionete passou por mim e, como que se fora um anjo sussurrando no ouvido do motorista, este voltou e perguntou se eu queria uma carona.
     Era uma sexta-feira, dia em que famílias de toda a região dirigem-se ao parque para aproveitar a linda paisagem e interagir com seus parentes em longas tertúlias (logo, para evitar muitas pessoas, procure visitar o parque em dias de semana e fora de feriados). Ao subir na camionete, onde já se amontoavam umas 10 pessoas, muitas perguntas me foram feitas e outras dirigiram-se a eles. Assim descobri outro detalhe interessante do parque: além do camping, churrasqueiras e banheiros com água quente, o parque oferece 3 cabanas com capacidade para até 6 pessoas. Ambos os serviços são pagos, sendo a entrada, com camping incluso, irrisórios 50 pesos uruguaios.
      Assim, chegando a Quebrada, conversamos com o guardaparque e me instalei na área de camping, não antes de ser convidada à cabana da família para provar os pães e doces que uma das mulheres produzia, acompanhado de boa charla e mais mate uruguaio.
     Na manhã seguinte, depois de tomar um banho e mais um mate de café da manhã (com água esquentada na sede), segui pela estrada que nos leva à quebrada... A sensação é extasiante! Após um dia inteiro vagando sobre as coxilhas desertas do interior do Uruguay, a imagem do grande vale de coqueirais e árvores abundantes beirando o rio é impactante! A trilha interpretativa de quase 3 km baixa até o arroio cristalino onde é permitido banhar-se, passa pelos bosques e sobe novamente ao topo da serra ainda pelo meio da vegetação.
   Além da linda paisagem da garganta em meio à serra, podemos seguir as placas que levam até uma pequena e energizante cascata fora das áreas preservadas da Quebrada de los Cuervos. Passando dois portões que impedem os rebanhos de bovinos e caprinos adentrarem ao parque, encontramos uma casa, cuja dona cobra 15 pesos uruguaios para entrar em suas terras para conhecer uma laguna e a cascata (porém, no dia que eu fui, não havia ninguém cobrando). Caminhando alguns minutos, chega-se até as atrações citadas, cujo ambiente requer momentos de contemplamento sentado nas margens de suas águas.
   
  Nesse mesmo percurso, também é possível ver um pouco da cultura gaucha, onde homens pilchados montados em seus cavalos e seguido por seus cachorros fiéis, conduzem seus rebanhos até locais de bom pasto ou mais abrigados no pampa. Muitas árvores frutíferas também são encontradas no caminho, como uma das frutas mais típicas do Uruguay, o pomelo (um misto de laranja e lima), o qual é utilizado na produção de sobremesas e bebidas.
       À noite, após chegar no camping, dormi um sono profundo de contentamento sob o céu mais estrelado que já vi em toda minha vida... Na manhã seguinte, iniciei a caminhada de 23 km até a estrada para pedir carona. Porém, no meio do caminho, um pampeano pilchado e com seu mate à mão me deu carona até sua propriedade, a partir da qual continuei caminhando, até que a mesma camionete guiada por anjos passou por mim novamente, me levando até a rodovia, onde pedi carona até chegar novamente à minha casa...