sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Ferrovia do Trigo, Muçum-Guaporé, RS, Brasil

 
     Neste segundo post do blog, mostrarei mais um destino d'O pé de Samantha: a Ferrovia do Trigo...
     A cada ano, esse ponto se torna um destino mais popular entre os turistas de aventura e objeto de estudo dos amantes da história riograndense. A ferrovia do trigo - assim chamada pelo fato de ter sido construída para escoar os grãos produzidos no planalto riograndense até o Vale do Taquari - possui uma das maiores obras ferroviárias da América Latina.
     Devido ao grande recorte geográfico da área serrana onde se localiza, diversas obras de engenharia foram construídas para possibilitar a passagens de trens de modo seguro. Ou seja, sem desníveis e curvas acentuadas no trajeto. Assim, túneis e viadutos tiverem origem em meio a grande beleza cênica que a Serra proporciona, com seu rio Guaporé e diversas cachoeiras que margeiam a construção.
    Quando eu resolvi fazer essa travessia, encontrei pouca informação sobre ela na internet. Mesmo assim, somente tendo visto um vídeo no youtube sobre ela, decidi que, sim ou sim, teria que conhecê-la. E prontamente, organizei um par de coisas em minha mochila (água, alimento, lanterna, uma barraca e um cobertor qualquer, visto que naquela época nem possuía equipamento para tal aventura) e fui, sozinha e de carona, rumo a Guaporé, uma cidadezinha interiorana e pacata na Serra Gaúcha por onde passava os tais trilhos.
   O trajeto fora entre as cidades de Guaporé e Muçum, cerca de 50km sob a ferrovia, passando por cerca de 20 viadutos- alguns chegando a mais de 140 metros de altura e 360 metros de extensão - e túneis com cerca de 2 km de comprimento.
    As sensações durante o percurso são diversas, passando de claustrofobia a vertigem em questões de instantes. Dentro dos túneis, a fuligem recobre toda a paisagem ao meio do breu, que consegue ser vista somente com a ajuda de uma lanterna (portanto, não a esqueça!), devido a distância e curvas dentro das obras, que impossibilita a chegada da luz. Ainda, devido a distância entre as aberturas, o ar torna-se pesado devido a baixa circulação do vento e pelo carbono liberado pelos trens.
     Nessa parte da leitura do texto, certas ideias devem surgir no cérebro do leitor: 
FATO 1: Os trens liberam fumaça dentro do túnel. Isso significa que todavia há trens circulando;
FATO 2: Os túneis são longos, podendo ter até 2 km de extensão. Logo, tarda-se em atravessá-lo a pé;
FATO 3: Trens locomovem-mais rápido do que seres humanos.
PERGUNTA 1: Se eu estiver dentro do túnel e um trem se aproximar. O que farei?
    Bom, não é necessário se apavorar nessa situação (pelo menos não tanto). A cada 15 metros, aproximadamente, há reentrâncias nas paredes do túnel que servem como refúgio caso haja um encontro com a locomotiva. Alguns não são muito profundos, mas cabe facilmente uma pessoa e sua mochila.
PERGUNTA 2: Ok, nos túneis estarei salvo, mas e nas pontes?
    As pontes também possuem refúgios (porém em intervalos variados) que, as vezes sim, as vezes não, possuem chão. Isso mesmo! Se tu estiveres com sorte, conseguirás correr para um refúgio com chão, se não, terás que pendurar-se em uma das armações até o trem passar, como aconteceu comigo em um dos dias de travessia.
      Outras atrações durante o trekking são as cachoeiras e córregos que margeiam a ferrovia. Para encontrá-las, basta escutar o som da água. Uma queda muito interessante é um desvio de um córrego feito ao lado da entrada de um túnel, formando uma queda de cerca de 60 metros de altura que despeja a água no pé do morro.
   Ainda, como todavia é uma região pouco explorada, encontros com muitos animais silvestres é possível. Entre eles, vê-se quatis, tatus, falcões, cachorros do mato e urubus, os quais alimentam-se dos diversos animais atropelados pelos trens.
        Para embelezar mais todavia a experiência da travessia da Ferrovia do Trigo, é imperdível acordar cedo e ver o amanhecer com serração da serra gaúcha (de preferência em alguma ponte alta). A neblina que aos poucos se eleva da vegetação densa encontrada nos vales, diminui a visão do caminhante a poucos palmos de profundidade, proporcionando uma sensação de estar caminhando em direção a algum lugar imaginário...

        DICAS IMPORTANTES:

  • Caminhar sobre os trilhos do trem é um exercício muito cansativo, devido ao espaçamento entre os dormentes que não acompanha o ritmo das passadas normais e pela enorme quantidade de pedras, que são ótimas para uma torção se não tomar cuidado. Assim, recomenda-se levar pouco peso para diminuir o impacto e a utilização de calçados confortáveis.
  • Devido ao tráfego noturno de trens, é recomendável montar acampamento o mais afastado possível dos trilhos, para evitar objetos que possam ser arremessados pela passagem do trem.
  • No verão, cobras tendem a refugiar-se entre os dormentes dos trens, logo, cuidado onde pisas!
  • Há grande quantidade de córregos potáveis e mangueiras que levam água as propriedades rurais pela ferrovia, possibilitando o reabastecimento durante o trajeto. Ao utilizar um desses encanamentos para obtenção de água, certifique-se que ele seja posteriormente bem fechado. Além dessas fontes de água, as bergamoteiras que fornecem um apetitoso lanche durante os meses inverno, quando ocorre sua frutificação.
  • As temperaturas variam muito anualmente. No verão, as máximas chegam a quase 40ºC e no inverno, podem ocorrer temperaturas negativas. Vá preparado para a estação escolhida! Não faça como eu, que quase congelei durante a noite!

        

Parque Nacional Lihue Calel, AR

Para abrir a escrita dos posts desse blog, resolvi iniciar com uma das mais marcantes paradas de minha última viagem: o Parque Nacional Lihúe Calel... Utilizo a palavra marcante por muitos motivos, os quais me puseram muitos sorrisos em minha face.
    

    LC localiza-se no coração da Província de La Pampa, Argentina, sendo necessários mais de 200km em qualquer direção para chegar em alguma cidade com mais de 100 habitantes, através de uma rodovia (RT152), nada movimentada, levando aos caroneiros a uma longa espera para entrar ou sair do parque. O fator positiva dessa rodovia inóspita é que 99% dos carros que passarão pela rodovia estarão indo de Santa Rosa para Neuquén, logo, passarão pelo parque.
   
        O primeiro sorriso que Lihue Calel pôs em meu rosto foi o fato de eu conseguir uma carona em uma camionete de Bragado, Província de Buenos Aires, diretamente à entrada do Parque, ou seja, cerca de 500km feitos em um pouco mais de 3 horas em companhias super agradáveis!

         Após descer na entrada do parque - o qual é muito fácil de encontrar, visto que toda a paisagem durante o caminho não possui nenhum grande relevo nem placas e, a entrada do parque possui placa e situa-se na base de um morro com uma antena de telecomunicação- é necessário caminhar até a casa do guardaparque e, nesse caminho surgiu meu segundo sorriso! Nessa primeira caminhada ao meio dessa cadeia de montanhas do Huecuvú Mapu (que, em Mapudungun, língua do povo Mapuche, significa "as terras do demônio") com estepes aparentemente inóspitas, me deparei com um dos 42 mamíferos do parque: o piche patagônico, o qual cruzou pacífico a minha frente, possibilitando fotos e admirá-lo em seu trajeto... 


        Chegando na sede, fui recebida por um dos guardaparques, o qual foi muito simpático e me indicou a montar acampamento e aproveitar a luz do sol e o bom dia para subir ao Cerro de la Sociedad Científica, o qual ele dizia ter uma vista incrível.
        No acampamento, me deparei com uma área agradabilíssima no meio de árvores nativas (que depois fui descobrir que era o dormitório de bandos de Aratingas de Testa Azul, Aratinga acuticaudata e de um caburé), com churrasqueiras, mesas de picnic e banheiros com água quente e bem organizados, porém sem tomadas.
      Depois de montada a barraca ao meio dos passos de Arapaçus platinos, codornas amarelas e Eudromias, segui para a trilha do Morro da Sociedade Científica, que possui 590 metros acima do nível do mar, mas que parece ser muito maior devido ao contraste da vasta planície que se encontra ao redor. Devido a essa e outras elevações, na sua base cria-se um microclima menos severo, que comporta mais de 40% das plantas encontradas na província, sem contar nos líquens, musgos, samambaias e algas e outros grupos de seres vivos, além do caldén, uma das plantas mais característica da Patagônia.

Três espécies endêmicas se destacam na composição desses bosques: a margarida Lihue Calel (a flor provincial), melosilla e a leguminosa Adesmia lihuelensis. Outra excêntrica planta encontrada é a traicionera (a traidora), um cactus de aspecto peculiar e espinhos afiados; uma planta aérea (Tillandsia sp.), que cresce achatada sobre as rochas e a única orquídea reportada para a região.
Boquiaberta com a alta diversidade vegetal encontrada ali, no meio da homogênea paisagem vista durante todo o percurso até o parque, não acidentalmente fiquei mais ainda. Toda aquela gama botânica reflete também da diversidade animal da região: muitos bandos de guanacos caminhavam por entre os montes, enquanto as mães pastavam e os filhotes mamavam nas mesmas e rapinantes planavam sobre as elevações. 

Em Lihue Calel há 173 espécies de aves, 43 mamíferos, 25 répteis e 4 anfíbios. E a lista inclui muitos animais ameaçados, como a águia coronada, cardeal amarelo, falcão peregrino, o pichiciego menor e o cágado patagônico e outros que são muito perseguidos (como o puma, vizcachas, a raposa cinzenta, a ema, o preá patagônico e o lagarto teiú). E, alguns deles são grandes frequentadores da área de lazer do parque, como a raposa, o teiú e muitas aves.

      Para subir o Cerro, há muitas placas indicando o caminho e dando informações sobre a vegetação, animais e geografia, e é requerido um bom estado físico e um par de horas, mesmo que a subida  dos quase 590m seja tranquila. Chegando ao topo, mais um sorriso surgiu em meu rosto: a paz e o contentamento que emana da beleza cênica do lugar invadiu meu ser! Toda aquela planície de vasto horizonte inóspita ao redor, sem nenhuma cidade e ruído humano por perto me fez perder a noção do tempo e encheu minha alma! Uma imagem e sensação que ninguém pode perder!
       Durante as duas noites que passei no parque, fui convidada para matear e conversar na casa dos guardaparques e aproveitei para recarregar minha câmera e lanterna, visto que, como já tinha mencionado, não há tomadas no camping. Durante essas conversas, muito foi falado sobre a história da criação do parque...
        Antigamente, o povo Tehuelche habitou essas terras, como também seus antepassados. Esses caçadores/coletores vagaram por essas planícies argentinas desde 4500 anos a.C. até o período da conquista espanhola, quando eles foram amalgamados na cultura araucana. Para eles Lihue Calel não era simplesmente um lugar de caça farta mas um local com muita energia, carregado de espiritualidade, como mostram as trilhas interpretativas localizadas dentro do parque, que possuem cemitérios, pinturas rupestres e outras obras desses povos.
          No segundo dia eu percorri as outras trilhas e montes do parque a pé, porém, elas também podem ser feitas de carro e bicicleta. Entre as atrações estão as bem preservadas pinturas rupestres localizadas no fim da trilha interpretativa das margens do Arroio das Pinturas, tendo 600 metros de extensão e também as ruínas da antiga estancia Santa Maria e um cemitério indígena.
Informações úteis:
       O parque foi criado em 31 de maio de 1976, para a proteção da eco-região de montes sulinos e bosques de espinilho e apresenta 9905 hectares.
         O clima é temperado e seco com grande variação anual de temperatura. Possui uma média invernal de 7ºC, com geadas de Abril a Outubro, porém pode chegar a temperaturas negativas e nevar. No verão, a média fica em 24ºC, podendo chegar a 40ºC. Anualmente, precipita-se 400mm, em sua grande parte no inverno, sendo a melhor época de visitação no início do outono e primavera. Devido as grandes áreas abertas, há ventos fortes na região
       Minha visita ao parque foi no início de setembro, com dias ensolarados e temperaturas amenas. Porém, quando já estava pedindo carona na rodovia, em direção ao Parque Nacional Laguna Blanca, começou uma chuvinha de leve e um frio insuportável, que para qualquer um seria normal. Quando acessei a internet novamente, vi fotos do local que para mim fora caloroso dias atrás, coberto de neve, espessura que admirou os próprios guardaparques de Lihue Calel!
    Aqui fica meu relato e informações sobre esse lindo pedaço da Argentina! Até a próxima!